SUPERAÇÃO

Iguatamense Uálisson Pikachu conta como foi difícil conseguir ser jogador de futebol profissional

“Com 12 anos de idade, minha mãe me levou para trabalhar com ela na roça, eu fui, só que por dentro estava chateado, pois seria uma semana colhendo feijão e longe da bola

O Iguatamense Uálisson Henrique de Oliveira, mais conhecido como Pikachu, vem sendo destaque em mais uma equipe do futebol profissional do nosso pais, e desta vez o Iguatamense contou como foi dificil chegar até o profissional, onde cita pessoas que foram marcantes na sua trajetória para conseguir o seu espaço no futebol profissional, um história de superação e garra que vale a pena ser conhecida, contata pelo site olhar esportivo, confira.

O meia Uálisson Pikachu, 30 anos, baixinho que veste a camisa 10 do Operário Várzea-grandense na temporada 2020, com cinco gols pelo Mato-grossense, é mais um personagem da série de reportagens “Olhar da Bola”, iniciada no mês de abril pelo site Olhar Esportivo.


OLHANDO O INÍCIO

Com uma infância simples em Iguatama (MG), Uálisson contou sobre suas diversas dificuldades, sem dinheiro para jogar na escolinha e tampouco para comprar sua própria chuteira, até a persistência atrás das oportunidades de testes em alguns clubes brasileiros, antes de se tornar profissional.

“Desde criança fui apaixonado por futebol, nada mais me atraía a não ser jogar bola com os amigos. Estudei na escola Coronel Fabriciano, e a disciplina que eu mais gostava era educação física, afinal tinha tudo a ver né. Mas não tive na primeira oportunidade de começar a frequentar escolinha de futebol, pois vim de uma família simples, onde fui criado apenas por minha mãe e ela não podia pagar escolinha de futebol. Me lembro da fala dela até hoje. ‘menino vai estudar, esquece bola, não posso pagar escolinha de futebol não, tem dó! É caderno que dá futuro’. Só que o caderno não era o meu forte igual a bola é, então tive que me virar para conseguir uma vaga na escolinha”, relembrou o meia do Operário (VG).

Mesmo assim, como é comum em todos os cantos do Brasil, pelo talento natural do brasileiro com o futebol, o jovenzinho Uálisson foi visto jogando nas proximidades do bairro em que vivia.

“Um dia o dono da escolinha me viu jogando e chegou até mim perguntando porque eu não fazia escolinha de futebol, respondi para ele que era meu sonho, só que a minha mãe não tinha dinheiro para pagar. Ele só balançou a cabeça e me disse, ‘você joga bem moleque’, e eu simplesmente agradeci. Só que teve um detalhe, o dono da escolinha começou a marcar o horário que eu jogava, com isso foi assistindo meus jogos, depois do primeiro dia que ele me viu jogando, me chamou para entrar na escolinha, e no segundo jogo falou para frequentar a escolinha sem pagar nada, só precisava ter raça. Nossa, essa hora o meu coração batia tão forte, que eu só sabia pular de alegria. Sou grato ao Mauro por ter me dado essa oportunidade, jogar na escolinha dele era meu maior sonho”, revelou Uálisson.

Porém a dificuldade era grande e logo que chegou em casa, apareceu o primeiro obstáculo da carreira futura do menino. Comprar a sua própria chuteira.

“Fui embora para casa correndo pra contar para minha mãe que ia entrar para a escolinha, chegando lá, me recordo que ela estava lavando roupa. Eu disse, ‘mãe vou entrar pra escolinha de futebol’, e ela já veio falando, ‘ô meu filho, já te disse que não posso te colocar’, mas aí eu falei que não ia precisar pagar, o dono da escolinha me chamou. Eu achando que estava tudo nas maravilhas, veio a notícia ruim. ‘Ualisson, você vai jogar bola nessa escolinha de quê? De chinelo?’. Quando eu escutei isso chorei demais, pensei que o Mauro ia desistir de mim.”

Com isso, o jogador mineiro resolveu procurar uma resolução para que pudesse jogar futebol. Foi atrás de uma vocação além do futebol, mas não deu certo. A ajuda veio através da escolinha.

“Com 12 anos de idade, minha mãe me levou para trabalhar com ela na roça, eu fui, só que por dentro estava chateado, pois seria uma semana colhendo feijão e longe da bola. Só que ela me disse que se eu colhesse o feijão, ela me ajudaria a comprar a chuteira nova, sendo que as minhas eram todas emprestadas de colegas. Pensei que seria fácil e fui, para nunca mais voltar. Acabou que minha mãe ficou me procurando com os amigos dela e me acharam dormindo em cima do feijão, eu sonhava com a tal chuteira. Vendi picolé também, só que não deu sucesso, porque chupei os picolés que tinha no isopor. A minha sorte foi que chegou chuteira para meninos da escolinha que não podiam comprar, e eu era o único que nunca tive chuteira nova, então uma dessas chuteiras veio pra mim.”

SAÍDA DE IGUATAMA (MG)

Com os treinamentos mais apurados na escolinha Associação Esportiva Iguatamense, Uálison aumentava o seu sonho de ser um jogador de futebol e poder ajudar sua família. Através dos colegas, garimpou uma vaga nas categorias de base de um clube da região.

“Um colega chamado Alexandre tinha arrumado um teste para um amigo chamado David (lateral direito), ele comentou sobre mim, porém era um menino novo (na época com 15 anos), só que os caras estavam interessado em um lateral, não em mim. Mesmo assim eu fui sem compromisso, não pensei duas vezes. Minha mãe estava trabalhando e nem me despedi, com medo dela não deixar, peguei minha mochila, coloquei as coisas necessárias e falei com meus irmãos que ia viajar. Chegando em Patos de Minas com o meu colega, onde ele ia fazer o teste, no time do Mamoré. O time gostou dele, mas ele não quis ficar, e também não iam ficar comigo. Pediram para eu jogar 15 minutos e foi aí que gostaram de mim. Me senti realizado. O treinador (Luís Eduardo) praticamente me adotou, depois que ficou sabendo da minha história. Ele me deu roupa, tênis, celular. Morei no clube durante um ano”, disse.


SEQUÊNCIA DIFÍCIL ATRÁS DO SONHO E CONSELHO DA MÃE

“Depois do Mamoré, eu fui fazer teste no Cruzeiro e no São Paulo, fiquei muito triste por não ter passado, depois tive uma oportunidade através de um amigo chamado Matheus, da minha cidade, em um teste no Juventude (RS). Falei que eu iria sim, mas eu tinha que arrumar o dinheiro da passagem. Arrumei emprestado, cheguei no Sul levei só uma blusa de frio, não sabia do clima, passei sufoco, aí fui dispensado do clube pra voltar. O empresário comprou minha passagem do Sul até BH. Eu não tinha dinheiro nenhum, meu celular tinha acabado a bateria, foi um sufoco daquele. Na rodoviária de BH, sem nada no bolso, coloquei meu celular para carregar e liguei para o Ribeiro, que mora em Patos. Pedi para comprar minha passagem, graças a Deus deu certo, depois de um tempo o Ribeiro até me levou para o Venda Nova (MG). Mesmo assim passei sufoco, comida horrível, perdi peso, tomava banho na água fria no frio, comia só bolacha para disfarçar. Liguei pra minha mãe e disse que não estava aguentando mais, que estava indo embora, não aguentava mais aquela situação, dormindo num quarto com 12 jogadores, sem falar de outras coisas. Ela falou para aguentar mais um pouco, escutei o conselho dela e persisti, então foi aí que fiquei até o final do campeonato.”

RETORNO PARA CASA, APELIDO E PROFISSIONALIZAÇÃO

Após uma época fora de casa, Uálisson voltou para Iguatama. Após pouco tempo, o goleiro Everaldo o-chamou para fazer parte do Funorte (MG), que foi o primeiro time profissional do Pikachu.

“Chegando em casa, fiquei um tempo com minha mãe. Um certo dia, recebi uma ligação do Everaldo, goleiro que joguei no Mamoré, perguntando se eu queria ir para o Funorte, falei que sim, foi onde tudo começou no profissional. Comecei a receber um salário mínimo, na época era 400 reais, fiquei muito feliz quando podia comprar roupas, tênis, chuteira. Dentro do Funorte eu jogava na base, porém em alguns jogos eles me colocavam no profissional, era emoção a mil. Com o tempo, depois do Funorte, em torno do ano de 2010, apareceu uma proposta de empréstimo pra jogar Série C do Brasileiro pelo Ituiutaba (MG), fui na hora, joguei vários jogos no clube onde me destaquei. Subimos para a Série B e fomos vice-campeões da Série C. Foi aí que a minha vida deslanchou”, contou Pikachu.

E o apelido de Pikachu foi carimbado pelo próprio amigo goleiro, o Everaldo. Pikachu é a espécie fictícia mais popular pertencente à franquia de mídia Pokémon da Nintendo, que surgiu em 1996. Geralmente é descrito como um "rato elétrico".

“Na minha cidade, era costume falar ‘aquele menino da família do pica pau’, ou seja, a minha família leva até hoje como família pica pau. Depois de ir para o Funorte em 2008, o goleiro Everaldo me disse. ‘Eita pica pau, hora de mudar esse apelido’. E eu disse bora ué, manda o novo aí, foi aí que ele falou. ‘De hoje para frente seu apelido é Pikachu’, pegou, hoje sou Ualisson Pikachu”, risos. “Desde moleque falavam comigo que eu não tinha tamanho, porém eu respondia que tinha habilidade nos pés. Já ouvi que não ia vingar no futebol, mas graças a Deus, ele me deu esse dom com a bola.”

Uálisson Pikachu acumula passagens por Villa Nova (MG), Boa Esporte (MG), Nacional (MG), CRB (AL), URT (MG), Caldense (MG), Barretos (SP), São Caetano (SP), Votuporanguense (SP), Atlético Itapemirim (ES), CRAC (GO), Atlético (CE), Patrocinense (MG).

“Depois joguei no Boa Esporte em 2014, onde quase subimos pra Série A, tínhamos último jogo contra o Icasa (CE), era só ganhar pra subir e perdemos de 3 a 2. Nosso time estava irreconhecível, até hoje penso nesse jogo, podia entrar para história do clube, mas de qualquer forma eu fiz história no Boa Esporte e em outros times que passei”, afirmou.

FUTEBOL MATO-GROSSENSE

No fim do ano passado, o Operário Várzea-grandense contratou Pikachu para a temporada 2020. Desde novembro, o atleta faz parte do Chicote da Fronteira, onde marcou cinco gols em nove jogos, ajudando o clube a se classificar na vice-liderança da primeira fase do Estadual.

“Não sou uma pessoa que desiste no primeiro obstáculo, a vida me ensinou muitas coisas. Lutar é uma palavra muito forte que eu carrego comigo. Desistir? Jamais! Persistir, continuar persistindo no meu objetivo. Nunca deixei que algo doloroso e pesado falasse mais alto que o meu sonho. Tenho orgulho de toda a minha trajetória, toda dificuldade pra mim serviu de aprendizado. Se eu não acreditasse em mim, quem acreditaria? Então eu peço a quem ler esse documentário, que não deixe que os outros pisem nos seus sonhos, ninguém é melhor que ninguém, se você não lutar, quem vai lutar por você? Lembre-se que a luta é diária e todos nós devemos passar por isso, na verdade, a vida nos força a isso. Agora cabe a você escolher entre ter um propósito, ou apenas nadar e morrer na beira da praia. Eu escolhi sonhar, acreditar e ter fé, e tenho certeza que vou conquistar muitas coisas. Sou persistente no que quero, o futebol é a minha vida. Dentro de campo as minhas atitudes, as minhas jogadas, me descreve quem eu sou. Não se pode apenas jogar por jogar, tem que ter disciplina e amor durante os 90 minutos em campo e fora do campo”, completou Uálisson Pikachu.

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